Na sociedade moderna não se pensa na morte e se fala dela o menos possível. A morte deve “desaparecer” do cotidiano das pessoas. Para tanto, são utilizadas duas estratégias básicas: a negação e a camuflagem.
a) A negação da morte
Freud explica que o inconsciente não conhece a morte nem o tempo: o homem se sente imortal. Nas guerras o soldado marcha contra o fogo acreditando que não vai morrer, mas sente perda do soldado ao lado. Negamos a morte ao considerá-la como algo que só acontece com os outros.
Também negamos a morte não falando nunca sobre ela. Por exemplo: a uma criança cujos pais morreram num desastre é dito que “eles foram fazer uma longa viagem”; num hospital o paciente não morre, “entra em óbito”, “expira”, “perde-se na mesa”, na guerra o soldado não morre, “tomba em campo de batalha”; nos comunicados de acidentes não se fala em mortos, mas “desaparecidos”; o morto na linguagem policial é um “presunto” e o morrer um “apagar”. Até os crentes não morrem, “descansam”.
b) A camuflagem da morte
A segunda estratégia para fazer “desaparecer” com a morte é camuflando-a. Milhares de pessoas morrem diariamente, mas tudo se passa na sociedade como se ninguém estivesse morrendo ou morto. Nos hospitais, se o monitoramento médico prevê a morte eminente de um paciente em uma enfermaria, ele é rapidamente e discretamente deslocado para um quarto privado ou oculto atrás de um biombo. Quando por “descuido” alguém morre na enfermaria, imediatamente começa uma engenhosa operação para fazer “desaparecer” o corpo do morto. Geralmente, a enfermeira simula um diálogo com o “paciente” propondo levá-lo para um exame qualquer, enquanto um auxiliar o coloca num carrinho ao mesmo tempo em que se interpõe entre o rosto do falecido e os expectadores (demais pacientes ou visitas) do quarto, retirando-o dali. Tudo se passa para não chamar a atenção dos vivos com assunto tão “desagradável”. Se algum paciente pergunta pelo colega que foi fazer o tal exame, diz-se que foi transferido de hospital ou recebeu alta e foi para casa. Assim, a morte desaparece e todos ficam em paz.
Uma vez atestado o óbito, o hospital entrega o falecido à família que o repassa a uma funerária. O velório é realizado num lugar neutro como se fosse uma recepção. Não é preciso dizer que as crianças são cuidadosamente afastadas dessa cerimônia tão “traumatizante”. No cortejo fúnebre o morto é levado num discreto furgão disfarçado de ambulância para um cemitério que cada vez se parece menos com tal. Isto quando não é incinerado (cremado) de uma vez por todas poupando cerimônias fúnebres, peregrinações ao cemitério, gasto com flores, caixão etc. O luto, segundo os novos costumes, deve ser contido para não perturbar os vivos com sentimentos tão “negativos”.
Eis no que a sociedade moderna reduziu a morte: algo irreconhecível.
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